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PROJETO FINAL – 2013 - Os Temperamentos - EBA - UFRJ

ESCOLA DE BELAS ARTES - CURSO DE PINTURA

PROJETO FINAL –  2013

O Colérico

Dizem do colérico que tem a cabeça quente, fica agitado com facilidade, mas se acalma logo que o adversário se dá
por vencido. Que se aborrece, mas seu ódio não é eterno. Sua reação é rápida, mas não persistente. Mantém-se sempre ocupado, embora o faça a contragosto, justamente porque não é perseverante; prefere dar ordens, mas aborrece-o ter de cumprilas. Gosta de ter seu trabalho reco nhecido e adora ser louvado publicamente. Dá valor às aparências, à pompa e à formalidade; é orgulhoso e cheio de amor-próprio. É avarento, polido e cerimonioso; o maior golpe que pode sofrer é a desobediência.
Enfim, o temperamento colérico é o mais infeliz por ser o que mais provavelmente atrairá oposição.

LaHaye, Tim. Temperamentos transformados.
Caravaggio  - Judite degolando Holofernes
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 Recebi encomenda de um quadro sobre o tema de Judite e Holofernes. Os meus predecessores representaram o após, quando Judite aporta a cabeça cortada num plateau. Eu queria bem mostrar o acto em si. Uma prostituta minha conhecida posou para a Judite e a criada velha do cardeal pela seguinte. Um ferreiro fez de Holophernes. Para a expressão da cara fui ver muitas execuções públicas e observei muito bem as cabeças cortadas tombadas e guardei as expressões de terror.
                              Citação de Caravaggio (1571-1610) - Grandes mestres da pintura



Mas não era fácil conviver com o jovem pintor. Numa carta de Dom Del Monte a Federico Borromeo, de fevereiro de 1596, ele conta que o temperamento de Caravaggio era tão difícil que ele, o cardeal, precisava “armar-se de paciência”"
"[...]Mas ele as resolvia a seu modo, com seu temperamento irrefreável. Em 1603 seu futuro biógrafo Baglione abre um processo contra ele, acusando-o de “grosserias e versos obscenos”, mas no fundo invejava a fama de Caravaggio.
Roberto Longhi – Caravaggio1951

As características mais marcantes do sanguíneo é a facilidade de se expor sentimentalmente, ser emocional, expressivo, indisciplinado, egocêntrico e exagerado. Estas são descrições bem similares ao temperamento de Caravaggio.
O Barroco se destaca pelo exagero, no claro e escuro, no naturalismo, na dramaticidade e na expressão. Na pintura Judite degolando Holofernes pode-se observar o uso do claro e escuro para aumentar a dramaticidade da cena e acentuar as características faciais do personagem, tornando-os mais visíveis e impressionantes.
Ao observar a palheta terra utilizada pelos pintores no Barroco, o vermelho pontua como a cor mais saturada. O vermelho remete ao sangue e à guerra. Na pintura de Caravaggio podemos observar o vermelho no sangue de Holofernes e no tecido cortado abruptamente na borda da pintura.
Para a releitura do quadro de Caravaggio escolhi uma amiga de nome Izabelle como modelo, que não possui um temperamento  sanguíneo, ela é na verdade, discreta, simpática e bem calma, porque a ideia era exatamente exprimir os temperamentos humanos através do processo pictórico e não pela simples cópia de formas que por suas natureza já os expressasse.  Neste retrato inspirado em Judith degolando Holofernes, Izabelle esta arrancando um dente de uma caveira, homenagem à sua profissão dentista. Procurei assim contextualizar uma poética pertinente aos nossos dias ao mesmo tempo em que me reportei a Caravaggio que utilizava como modelo, as pessoas do povo.
Preparação

Os pintores barrocos criavam a partir de um jogo de manchas e encontram por fim as formas, sem que houvesse uma definição precisa em termos de delineamento.  No meu caso, como sou linear por principio, procurei estabelecer primeiro um fundo com manchas irregulares utilizando uma mistura de terra de siena queimada com preto e por cima fiz um desenho completamente linear.
Foi uma experiência interessante, pois no barroco a forma era definida por uma espécie de destruição desta mesma forma, para se atingir um forte apelo expressivo, como bem vemos em Caravaggio. Foi exatamente pela precisão da forma que o escolhi como referência.
O mais instigante neste trabalho foi exatamente manter o meu estilo próprio para atingir uma expressividade barroca sem que me perdesse na construção inicial. Explicando melhor, quando parto do desenho linear, vou marcando as sombras, abrindo alguns espaços para a luz, ou simplesmente deixando estes mesmos espaços em aberto. É um processo lento no qual uma etapa vai levando a outra. No caso do Caravaggio, as suas pinturas, embora com uma grande riqueza de precisão nas formas, irradiam uma dramaticidade barroca,  mesmo que não se pareça em nada como aquele barroco com característica de pintura espontânea e de pinceladas marcantes.

Uma vez estabelecido o método de trabalho, pensei em aplicar o recurso de escurecer o fundo para trabalhar a forma. Percebemos na figura abaixo que o fundo manchado ganha luminosidade e ao mesmo tempo uma espécie de volume sem que eu começasse a trabalhar as áreas de sombra. Percebi então que poderia ir trabalhando a volumetria da forma a partir do todo e não apenas da observação minuciosa da referência fotográfica. Então, foi muito interessante, pois, a figura começou a “ganhar vida” desde o primeiro estágio da pintura.


Na etapa seguinte, comecei por marcar as áreas de luz com manchas, a partir da mistura do amarelo ocre e nápoles com branco. Uma vez que parti do fundo muito escuro e queria dentro do possível pintar de modo mais solto, deixando que a pintura fluísse em consonância com as manchas do fundo, na intenção de obter uma integração figura-fundo, que desse uma expressividade geral ao quadro.
Logo em seguida, comecei como de costume a delinear a forma, só que desta vez, não me concentrando em pontos específicos, no entanto, o foco principal foi o rosto e o restante do quadro surgiu como uma espécie de continuidade da técnica já utilizada.
Fiz um contraponto entre a cabeça da modelo e a caveira em função da tensão da composição, construindo um caminho de luz, seguindo da cabeça aos braços, até a caveira.
Utilizei também o recurso da velatura em amarelo e laranja para maior contraste e maior vivacidade que contribui para a expressão do quadro.
O fato da caveira ter sido trabalhada depois, foi para realçar a diferença de tratamento que a forma requeria, uma vez que estou mais habituada a trabalhar a questão da pele humana, percebi que fazê-la  simultaneamente, não obteria o contraste necessário.
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